A Copa, tanto já se disse, não deve ser aproveitada como estímulo a oportunismos políticos. E a seleção brasileira não é de ninguém, é dos brasileiros.
Essas duas verdades precisam repisadas à exaustão, até o final desta Copa, para que se retirem dos discursos e das críticas à organização do Mundial certos vieses capazes de deixar a impressão de que falar do torneio, bem ou mal, não passaria de um artifício para externar preferências político-partidárias.
Isso não tem sentido. É absolutamente despropositado. E mais: quem insistir em capitalizar dividendos políticos com a Copa acabará convencido de que fez uma opção politicamente equivocada, porque torcedores sabem distinguir onde terminam as motivações esportivas e onde começam outras motivações, algumas delas espúrias.
O que sobra, portanto? Sobra o direito à crítica, o direito à informação. E quem se opuser ao exercício desses direitos também estará incorrendo em equívoco escandaloso, porque há fatos que não podem ser escondidos. E precisam ser levados à opinião pública como contraponto a certas situações verdadeiramente clamorosas.
É quase inacreditável, por exemplo, que a Arena das Dunas, o estádio em Natal (RN) que ontem, pela primeira vez, se abriu para um jogo da Copa, tenha sido vistoriado pelo Corpo de Bombeiros algumas horas antes do início da partida. É quase inacreditável que em outros estádios tenham sido detectadas falhas que, muito embora sanáveis, reforçam a impressão de que a falta de planejamento permeou toda a fase precedente deste Mundial.
Culpa do Poder Público? Culpa da iniciativa privada? Culpa da bagunça que viceja na gestão do futebol brasileiro? Culpa da Fifa, que usou e abusou de fazer exigências para que fosse mantido o seu padrão, mesmo sabendo que a Copa teria como sede um país que não tem tradição alguma de planejar nada, em nenhuma circunstância?
Sim, é preciso afastar um pouco os olhos do Poder Público para chamar a Fifa à responsabilidade. Porque a entidade teve tantos privilégios - mas tantos - que não poderá reclamar da falta de boa vontade para realizar esta Copa.
Há números mostrando isso. Apesar de a receita do Mundial ser estimada em R$ 10 bilhões, a isenção fiscal à Fifa, para a realização do torneio, deve bater na casa de R$ 1,1 bilhão. O Tribunal de Contas da União (TCU), no relatório sobre as contas do governo em 2013, fez ressalvas em relação à transparência dos subsídios creditícios concedidos à Fifa.
O TCU constatou que não foram apresentadas as projeções dos montantes totais dos subsídios creditícios da União referentes aos projetos da Copa do Mundo de 2014, decorrentes das operações de financiamentos firmadas com bancos públicos federais. Por esse motivo, o Tribunal recomendou ao Tesouro Nacional que apresente a projeção do total de subsídios creditícios concedidos aos projetos da Copa 2014. Os valores são decorrentes das operações de financiamento firmadas com os bancos públicos federais.
Os benefícios de natureza tributária, como se sabe, correspondem a medidas de desonerações tributárias relacionadas aos eventos da Copa das Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, instituídas pela Lei Geral da Copa (12.350/2010), nominada pomposamente como Regime Especial de Tributação para Construção, Ampliação, Reforma ou Modernização de Estádios de Futebol (Recopa).
A projeção dos benefícios tributários, financeiros e creditícios para os eventos corresponde, até 2013, ao valor de R$ 735,22 milhões, sendo R$ 500 milhões referentes às arenas de futebol, R$ 138 milhões para a mobilidade urbana, R$ 37 milhões destinados ao programa Procopa Turismo e R$ 466 milhões para subsidiar a organização das Copas Fifa.
Diante desses números, como não chamar à Fifa à responsabilidade?