Só a bela e perfeita bailarina da música de Chico Buarque é que não tem “coceira, berruga nem frieira”. Na vida real todo mundo pode ser vítima dos fungos causadores de micoses, especialmente nos dias quentes. E a frieira, também chamada de pé-de-atleta, é uma das mais comuns. Basta observar a pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e pelo laboratório Janssen-Cilag. Ela constatou que metade da população tinha algum tipo de doença nos pés. E o principal diagnóstico (62,8% desse grupo) era o de infecção fúngica.
Os especialistas costumam classificar as tais infecções fúngicas em superficiais ou profundas. As primeiras são endêmicas, isto é, ocorrem quando as condições ambientais — calor, umidade, pouca luz e presença de matéria orgânica — favorecem o crescimento de fungos. Já as micoses profundas, em geral oportunistas, acometem pessoas que apresentam grave deficiência imunológica. É o caso de pacientes de câncer, aids ou os internados em unidades de terapia intensiva, alvos fáceis de microorganismos que podem invadir órgãos internos e causar altos índices de mortalidade. “Em média os óbitos chegam a 40%, mas, nos casos mais graves, 70% dos infectados acabam morrendo”, revela a infectologista Maria Luiza Moretti, professora da Universidade de Campinas, no interior paulista. Segundo ela, essas infecções invasivas vêm aumentando nos últimos anos, fruto paradoxal da eficácia da Medicina no tratamento de doenças graves. Explica-se: a maior sobrevida e o tempo prolongado em ambiente hospitalar elevam o risco de infecções. Felizmente têm surgido novos medicamentos antifúngicos que tendem a reduzir o número de vítimas fatais.
As micoses superficiais — que atingem pele e unhas — em geral não trazem maiores riscos para a saúde da imensa maioria da população. O que não quer dizer que dispensem atenção. “Elas comprometem a qualidade de vida e devem, sim, ser tratadas”, enfatiza Maria Luiza.
Uma micose começa como um problema estético que, de imediato, afeta a vida social. Coceira, inflamação ou escamação da pele e deformação nas unhas são sintomas comuns. Se não for tratada adequadamente, pode ficar bastante incômoda e dolorosa. Nos pés, por exemplo, são a porta de entrada para infecções bacterianas, o que piora o quadro. O desconforto chega a interferir no andar, causando problemas ortopédicos. Os diabéticos devem ter um cuidado especial, pois são particularmente suscetíveis a ferimentos e infecções graves.
Para descartar a possibilidade de alergias e até hanseníase, o primeiro passo é procurar um dermatologista, que deve colher material para exame micológico. “Só assim será possível identificar com segurança o tipo de fungo e prescrever o tratamento mais eficaz”, afirma a dermatologista Carmélia Reis, chefe do Laboratório de Micologia do Hospital Universitário de Brasília. Nem pense em automedicação. Em geral é desastrosa, pois o bicho fica mais resistente, o que dificulta a cura. Alguns tipos de micose são tratados em poucos dias com o uso de cremes antifúngicos. Porém, certos fungos, especialmente os que afetam as unhas, são duros na queda. O tratamento é via oral — longo e caro, infelizmente.
“Cada comprimido custa em torno de 8 reais e são necessários dois por dia durante quatro a seis meses”, alerta Carmélia. Ficar com o maiô molhado o dia inteiro e andar descalço na praia ou na piscina são hábitos de verão que fazem da pele o paraíso dos fungos. Nos homens são comuns micoses na virilha. As mulheres sofrem com a candidíase na região vaginal. Por isso, após o banho enxugue bem o corpo, principalmente nas dobras, como as regiões sob as mamas, e entre os dedos.
Alguns tipos de fungo habitam o organismo humano sem maiores problemas. Porém, se eles se multiplicam anormalmente, a coisa se complica. Isso acontece não só quando as condições ambientais são inadequadas, mas também se houver queda de resistência imunológica. Outra hipótese (os estudos não são conclusivos) é a da predisposição genética. Esse é o caso da Candida albicans, agente da candidíase, que pode ser encontrada naturalmente no intestino humano. Na maioria das micoses de pele e unhas, o fungo é adquirido após contato com o chão de um vestiário contaminado, com toalhas ou roupas de uma pessoa infectada ou por meio de instrumentos de manicure não esterilizados. O contágio em salões de beleza, aliás, é bastante comum, alerta a médica Carmélia Reis. Não basta esterilizar cortadores, tesouras e alicates. Reaproveitar lixas de unha, espátulas ou palitos de madeira também causa o problema. “O ideal é levar o próprio material de casa e não retirar totalmente a cutícula, que protege as unhas”, recomenda a dermatologista.
Algodão é melhor que náilon
As fibras naturais, como o algodão, deixam a pele respirar e não retêm suor. Por isso são as mais indicadas para roupas íntimas e meias. A mesma preocupação vale para os calçados. Evite os que abafam muito os pés ou os façam transpirar, como os tênis e as sandálias de plástico. O ideal é não usar o mesmo sapato por dois dias seguidos e guardá-lo em local arejado. E quem gosta de jardinagem deve usar luvas para evitar contaminação por fungos existentes no solo. Tomando cuidados tão simples quanto esses é possível aproveitar as delícias do nosso calor tropical sem risco de carimbar a pele com os vestígios das chatíssimas micoses.
Couro cabeludo
Esse tipo de micose é raro em adultos, mas altamente contagioso em crianças. Forma áreas arredondadas com falhas no cabelo, escamação da pele e coceira. Requer tratamento por via oral. A caspa não é uma micose, mas a descamação serve de alimento para o fungo Pityrosporum ovale.
Boca
A levedura Candida albicans, causadora da candidíase, afeta geralmente as mucosas. A infecção bucal, chamada de sapinho, é comum em bebês, produzindo placas brancas de aspecto cremoso, muito dolorosas. Na região vaginal, os sintomas são coceira, queimação e secreção branca ou amarelada.
Costas
Micose de praia, nome popular da pitiríase versicolor, é causada pelo fungo Malassezia furfur, um habitante natural da pele. Apesar do nome, não é na praia que se pega esse fungo. O calor e a oleosidade provocam sua multiplicação e fazem surgir manchas que variam do branco ao castanho, tornando-se mais evidentes com o bronzeamento.
Virilha, dobras, sob as mamas, entre os dedos
Lesões de cor avermelhada, escamação e coceira costumam ser os sinais das micoses cutâneas superficiais. Elas são provocadas por uma imensa variedade de fungos e atingem os locais que retêm maior calor e umidade.
Pé
Pé-de-atleta, ou frieira, costuma causar coceira, descamação intensa, fissuras na pele, inflamação e bolhas nas laterais dos pés e, sobretudo, entre os dedos. E pode abrir caminho para infecções bacterianas.
Unha
Dependendo do tipo de fungo, essa micose pode manifestar-se como um espessamento, deformação ou mudança de coloração da unha. Às vezes ela fica quebradiça ou se descola do dedo. É uma das mais resistentes.
Nem bichos, nem plantas
Foi num reino à parte — chamado fungi — que os cientistas resolveram classificar esses seres microscópicos que se dividem em bolores (pluricelulares) e leveduras (unicelulares). Encontrados no meio ambiente, em animais e seres humanos, precisam de calor e umidade para se desenvolver. Os que vivem sobre a pele humana alimentam-se de gordura ou da proteína queratina, a principal constituinte de pele, unhas e cabelos. Existem mais de 200 mil tipos de fungo, dos quais cerca de 100 causam micoses. A ciência que os estuda é a micologia — do grego mykes, fungo.